“Tive pesadelos o tempo todo, mas meu pior pesadelo são vocês.”
Essa foi a frase dita pelo mineiro Omar Reygadas, neste domingo dia 17 de outubro, cercado de fotógrafos após uma missa celebrada para seus trinta e dois colegas de mineradora e familiares.
Parece que os setenta dias que ficaram presos em uma mina no meio do deserto do Atacama não serviram somente para manter os mineiros distantes da luz do sol e do calor de suas famílias: os ensinaram a esquecer da sociedade que os aguardava aqui fora. Setenta dias na escuridão da mina os devem ter remetido à mesma penumbra encontrada no Mito da Caverna de Platão; com sensibilidades e pensamentos aos extremos, enxergando somente as sombras do que se passava fora dali, tinham acesso somente as informações que sua atual situação lhes permitia ver e ouvir, resumindo seu enclausuramento às sombras.
O capitalismo é sustentado pela mídia e pela mais valia. Por curiosidade, as duas se encontram neste caso em especial; uma mina de cobre e ouro com péssimas condições de trabalho que mantém, por acidente, trinta e três trabalhadores presos a seiscentos e vinte e dois metros da superfície da terra. Desde o momento do terremoto, até a saída de todos da mina, milhares de jornalistas alimentaram suas fontes com água direto da bica. O Chile em evidência (ver também post O Chile na Sociedade do Espetáculo, postado por Allan) acabou por mexer com a cabeça e a vida de muitos, começando pelos próprios mineiros, como já era de se esperar.
Pouco se tem ouvido falar sobre as experiências vividas pelos sobreviventes naqueles setenta dias, silêncio esse devido a um suposto pacto feito entre eles em baixo da terra. Mesmo assim, é público o número incalculável de ofertas feitas pela mídia aos mineiros. Sites, jornais, revistas, canais de televisão e emissoras de rádio: todos ansiosos por uma manchete reveladora sobre o fato. Tanto se tem dito sobre o assunto que qualquer nota detalhada sobre a convivência entre eles será amplamente divulgada.
Com tanta exposição, os recém resgatados são os que mais perdem no quesito privacidade, pelo menos por agora, enquanto a poeira não baixa. Mas são os que mais ganham, obviamente, com todo o ocorrido. O boliviano Carlos Mamani recebeu uma proposta de Evo Morales para retornar para seu país. Não só aceitou o convite, como ganhará uma casa própria pronta para habitar e um emprego numa empresa Estatal de petróleo, com salário partindo de US$1 mil. Enquanto isso, a esposa de Mamani conta para os jornalistas que estão recebendo dinheiro em troca de reportagens: "Vocês ganham com nossas histórias. Por que não podemos aproveitar para ganhar algum dinheiro e alimentar nossos filhos?" é o argumento que ela usa.
Florencio Avalos, o primeiro mineiro a ser resgatado, não revelou muito aos jornalistas. Mas um homem que se dizia seu tio se prontificou a conversar com um jornalista japonês, desde que pagasse seu preço. O silêncio do “tio” de Florêncio custava quinhentos dólares. Silêncio prontamente comprado. Enquanto isso, agências de notícias oferecem viagens à Europa e Ásia aos mineiros interessados em participarem de seus programas. As entrevistas ou conversas têm custos variados, de US$40 até US$25 mil. A esposa do mineiro Darío Segovia justifica: "Ele está cobrando pelas entrevistas a título de indenização.". Em uma das indenizações recentemente realizadas, Darió recebeu US$1,040 por uma entrevista de meia hora a um canal alemão. O mesmo mineiro cobrou US$417 para responder breves perguntas a uma agência japonesa.
Humildes ou não, os mineiros estão ganhando muito com essa quase tragédia. E não era pra menos, esses são seus quinze minutos de fama. O fato é que o pacto de silencio, selado a mais de seiscentos metros abaixo da terra não está surtindo efeito acima dela. A terra, a sociedade e, principalmente, o dinheiro, muda as pessoas. Não há dinheiro no mundo que compre o silêncio de alguém que passa necessidades financeiras, logo, teremos uma avalanche de fatos e curiosidades sobre a rotina deles. Não vai demorar muito para que um, ou vários, resolvam escrever um livro contando como foi tudo lá em baixo. Pelo menos, esses heróis têm muito mais a dizer do que algumas celebridades que lançam livros sobre sua vida. Eles têm uma história de convivência, para nós, ainda desconhecida; têm a experiência de quem sobreviveu setenta dias sem a luz solar, têm a força de vontade e orgulho de poderem dizer que são heróis dos tempos modernos e têm, acima de tudo, a visão e atenção de todo o planeta.
A última vez que entrei num buraco, não queria mais sair.
ResponderExcluirMas... ela me disse pra eu sair...