09 novembro 2009

Sobre stand-up comedy




Amigos leitores do Pimentas no Reino,

Percebendo a crescente evolução deste gênero no Brasil, não pude deixar de notar algumas discrepâncias entre a visão do público leigo e a proposta original desta arte, que é só mais uma entre tantas outras milhares de modalidades "copiadas dos Estados Unidos" (reality shows, talk shows, etc, etc.).

Em primeiro lugar é preciso lembrar que o gênero sempre teve um caráter "à margem" da sociedade, sendo visto como uma forma de entretenimento menor, mais pobre e rechaçável do ponto de vista da "crítica especializada". No Estados Unidos durante os anos 60, por exemplo, o comediante Lenny Bruce era frequentemente preso durante seus shows por verbalizar suas idéias, sentimentos e indignações sem nenhum tipo de censura, o que ia contra a política dos "bons costumes" imposta pelo governo da época. Chegou a ler, no palco, processos contra ele em tom de sarcasmo e ironia, que só serviam para provocar ainda mais a fúria da parte mais conservadora da sociedade. E da polícia, claro.

Sendo assim é bom lembrar que, historicamente, a comédia stand-up tem uma essência marginalizada, justamente por se tratar de um estilo (único, talvez) que permite ao artista expressar, sem nenhum tipo de "amarra", "filtro" ou censura, exatamente o que ele sente ou pensa a respeito de seu próprio universo, das relações humanas, dos comportamentos, do governo, da mídia, etc. Não significa, necessariamente, que o público todo irá se identificar com o tipo de abordagem que ele(ou ela) farão, mas é preciso - aí sim, necessariamente - que seja uma abordagem inusitada, irônica, que precise ser falada em voz alta, compartilhada com a platéia. Uma espécie de "desabafo cômico", por assim dizer.






E é aí que muitos humoristas (estrangeiros ou não) se perdem. Porque a comédia stand-up não é "terapia de grupo" e nem pode ser uma desculpa para deixar o seu "id 'batendo palminha'", como diria uma hilariante amiga minha.

(id= conceito que faz parte do aparelho psíquico da psicanálise freudiana; é a energia dos instintos e dos desejos inconscientes, regido pelo princípio do prazer que busca satisfação imediata).

E também não é, ou pelo menos não deveria ser, uma desculpa esfarrapada para receber massagens no ego. Quem faz comédia em busca de "fama", deve rever seus conceitos urgentemente, uma vez que existe uma razão pela qual o gênero é considerado o mais difícil de ser dominado: Ele nos expõe muito. Se o humorista ou comediante não tiver uma dose invejável de auto-estima, as chances de cair em depressão e adotar um perfil, digamos, 'suicida', são muitas. É óbvio que digo isso por experiência própria. Mas como já vivia à base de antidepressivos antes de virar humorista, tô 'de boa'.

Afirmo que uma apresentação de stand-up tem esse "poder" todo porque quando ela é bem-sucedida e as pessoas riem, aplaudem, etc, chegamos em casa depois do show com a consciência tranquila, sorriso idiota no rosto e com a sensação de dever cumprido. Provavelmente uma sensação muito parecida à de marcar um gol pelo time do coração ou fazer sexo com a Mulher Melancia.

Agora, quando o resultado não é tão bom, nosso estado emocional viaja ao outro extremo deste espectro na velocidade da luz, e começamos a questionar o por quê de estarmos vivos, as razões de suportarmos tamanha rejeição e frustração e por quê as embalagens de produtos eletrônicos são tão difíceis de abrir... (é, a gente 'viaja' um pouquinho nessas horas...).
Claro que as apresentações ruins servem de referência para garantir uma média de apresentações boas, justamente porque aprendemos a "criar um clima" de stand-up durante o show. E é sobre este "clima" que eu queria falar...



Ele depende muito de cada indivíduo que nos assiste, ouve e presta atenção. Bom, quando prestam atenção, né? Não é demagogia, portanto, afirmar que um show de stand-up depende demais do público para ser bom, ótimo, excelente, memorável, medíocre, deprimente, humilhante, etc. O mais legal é que a mesma apresentação pode ser tudo isso antes do "boa noite"! Porque a 'troca' de energia, olhares, insinuações e idiotices é constante; e ao contrário do que muitos acreditam, nós temos uma tendência inerente a querer gostar de quem está no palco. Valorizamos o esforço e sabemos que é um ato corajoso, e que exige portanto uma dose cavalar de empatia por parte de todas as partes envolvidas.

Quando "o seu santo não bate" com quem está no palco, não tem jeito. É uma arte tão pessoal que seria ingenuidade acreditar que iremos agradar a "gregos, troianos e atleticanos" o tempo todo. E aí está, vejam só, mais um aspecto cativante da comédia stand-up: ela nos faz rever conceitos, rir de nós mesmos, dos nossos erros, juízos de valor precipitados e das nossas idiossincrasias, ao mesmo tempo em que nos educa a "ouvir o outro" com espírito aberto, sem preconceitos. Ou pelo menos, é assim que deveria ser.

Para finalizar, um rápido desabafo: gostaria muito que as pessoas deixassem de ver nosso trabalho como se fôssemos apenas "bobos da corte" que só falam besteira o tempo todo e são metidos a "engraçadinhos". Não é assim que funciona, né? Claro que existe muita gente com este perfil fazendo comédia stand-up, mas destes "a natureza cuida", como diria meu pai. O tempo há de favorecer a carreira dos que levam o humor à sério. Ou tentam, pelo menos. Como diria Jerry Seinfeld, "existe uma dose de fracasso, miséria e rejeição que faz bem para a comédia". Nosso "alimento", nossa "fonte de inspiração" não é tão agradável - e nem de fácil digestão - como muitos gostariam de acreditar.

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