19 outubro 2009

Paixão x Business - Vale a pena matar um pelo outro no futebol?



Caros leitores do Pimentas do Reino,

Acompanhando o futebol pela mídia temos a impressão de que se trata de um dos negócios que mais movimentam dinheiro no mundo. Pensamos no futebol como "business" e logo nos vem a cabeça as imagens ( e as cifras) de Kaká e Cristiano Ronaldo no Real Madrid ou, em âmbito nacional, o Ronaldo no Corinthians e o megaloteamento da camisa que sua presença proporcionou ao alvinegro paulistano. Mas será que o negócio do futebol é grande mesmo como imaginamos ?

O especialista em marketing Oliver Seitz fez um levantamento que ajuda a responder essa pergunta e a resposta, por incrível que pareça, coloca em dúvida esse tamanho. Fundamentado nos números da Revista Exame, em sua edição das "Maiores e Melhores" de 2008, ele percebeu que uma empresa desconhecida do grande público, que patrocina um time quase conhecido (maldade...), faturou pouco mais que o dobro do todo poderoso São Paulo Futebol Clube.

A Usina Itaiquara de Açúcar e Álcool S.A , que já teve seu nome estampado na camisa da Portuguesa de Desportos, faturou 133,9 milhões em 2008. De dólares. O tricampeão brasileiro no mesmo ano faturou 158 milhões. De reais...Evidentemente, em termos de exposição da marca, não se compara os tamanhos do clube paulista em relação a quase desconhecida empresa (pelo menos para quem não trabalha em padarias, pizzarias, etc...) mas de que adianta a exposição se ela não reverte em dividendos financeiros ?

Na Europa não é diferente. Nenhum dos grandes times europeus seria uma das maiores empresas de seus países de origem.

Pois bem, feita essa introdução vamos agora ao outro ponto desse texto, a questão da paixão: o favorecimento do lado business do futebol está fazendo com que alguns dirigentes atuem de forma a sufocar seu maior ativo, ou seja, o amor da torcida de seus clubes, em nome de mais dinheiro.



Não precisamos ir muito longe para ver exemplos disso.No estádio Palestra Itália, do atual líder do campeonato brasileiro, o Palmeiras, o chamado Setor Visa (com cadeiras numeradas, mais confortáveis, e de posição central em relação ao campo de jogo) foi instituído. Com ingressos compráveis apenas pela internet (e, claro, mais caros que a arquibancada comum), ela atrai aqueles torcedores com alma de espectadores de teatro, em detrimento aos verdadeiros torcedores, que tem que se contentar com a visão menos privilegiada do campo, como ficar atrás dos gol ou ainda nas curvas da ferradura.

Fosse só isso ainda seria aceitável, mas o mais grave é que esse setor acabou desfalcando o time de um de seus eternos melhores jogadores: o estigma de caldeirão. Torcedores do Setor Visa se manifestam sem o mesmo vigor de um torcedor "comum". São refinados demais para isso.

A tendência no Palmeiras, com a construção da belíssima Arena Palestra Itália (fica pronta em 2014, para o centenário do clube), é exatamente a elitização da torcida, um fenômeno perigoso quando se fala de um clube de massa.

Percebe-se no mundo inteiro, e quase sempre com o mesmo mote, uma reação proveniente dos torcedores de verdade: "ódio eterno ao futebol moderno" é uma frase que pode ser lida em diversos idiomas e em vários lugares diferentes.



São torcedores apaixonados que temem que o rumo do futebol enquanto business faça com que seus clubes, objetos de sua paixão, perca completamente a sua identidade. A torcida do Atlético de Madrid talvez atualmente seja a mais ativa no combate a esse fenômeno. A diretoria do clube quer demolir seu estádio para construir uma nova arena, um pouco mais afastada do centro da cidade. A torcida é contrária. Tem consciência de que certos estádios tem alma. Em São Paulo, por exemplo, Pacaembu, o próprio Parque Antarctica e a Vila Belmiro são os exemplos mais cabais disso. O Mineirão, o Olímpico, o Beira Rio, a Ilha do Retiro ( sem falar no Maracanã, estádio que não "tem" alma e sim "é" a alma do futebol)...Diferentemente de Engenhão e Morumbi, dois estádios que apesar da infraestrutura são incapazes de emocionar por si próprios. Talvez por terem vergonha de suas turvas origens...



Comecei falando sobre o real tamanho do futebol como business e terminei falando sobre o "ódio eterno ao futebol moderno". Os dirigentes mais modernos estão aos poucos percebendo a relação entre esses dois elementos. Luis Gonzaga Belluzzo, presidente do Palmeiras, mesmo tendo a oportunidade de satisfazer os interesses dos investidores e encher os cofres do clube, recusou-se, diante da possibilidade concreta de ver o time sendo campeão. É esse o caminho...



Um comentário:

  1. Grande Fernando Miller, o texto é ótimo, mas, como marketeiro e comunicólogo, vou apimentar mais o tema. O erário comparado acima, deve ser contemplado como algo exorbitante, sim, para os times de futebol, mesmo os brasileiros que recebem em real, vamos às proporções: A tal Usina Itaiquara, obviamente trabalha com um produto muito mais caro que o serviço prestados por jogadores de futebol, que ao meu ver, já recebem um absurdo, independente do seu nível de qualidade, e deve ter uma estrutura a manter, muito mais cara que os clubes. Por mais que pareça pouco o que o futebol fatura, se comparado à outras indústrias, esse montante torna-se imenso quando observadas as despesas destas agremiações, quase todas sanadas a título de patrocínios. Outro fator bacana de observar é a venda do espetáculo, pregada pelo próprio Presidente do Palmeiras, no mês passado, na mesma revista Exame. Um espetáculo que "se vende", também é passivo de elitização, uma tendência que vai, cada vez mais, deixando a parte que ficaria nas curvas de ferradura em casa, se quiser, com uma assinatura de TV a cabo. Lógico que os padrões comportamentais das torcidas brasileiras só farão o processo caminhar mais rápido, e o negócio, vai ficar cada vez mais caro. Paixão? Os próprios protagonistas do espetáculo não se furtam a desviar-se dela, apenas com o exemplo de um Bebeto que trocou Flamento por Vasco em pleno auge da carreira, para não citar outros. A cultura por aqui não colabora muito para que se perpetue o tal amor pelo futebol. Quem ganha com isso? Patrocinadores, marketeiros e outros. (só para registro, participei de quase todas as as festividades dos 100 anos do Coritiba, aqui em Curitiba. Marketing e Elite nunca foram tão bem combinados, vai ser difícil frear a tendência.)

    Desculpe o comentário longo, mas o tema é realmente importante, para nossa cultura e futuro do esporte. Abraços!

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